O que mais chamou a atenção no
“depoimento” de Carlinhos Cachoeira à CPMI foi a presença de um dos
maiores advogados criminalistas brasileiros, Marcio Thomaz Bastos, ao
lado do bicheiro. Thomaz Bastos tem um histórico de defesa de réus
“incômodos”: o médico Roger Abdelmassih, acusado de molestar sexualmente
dezenas de pacientes; os estudantes acusados de afogar outro estudante
na piscina da USP em 1999, e os estudantes que colocaram fogo e mataram
um índio em Brasília em 1997. Todos estão em liberdade, mesmo que
vigiada. Foi também Ministro da Justiça entre 2003 e 2007 durante o
governo Lula.
Marcio Thomaz Bastos é uma
referência do Direito brasileiro. E lá estava, junto ao bicheiro,
impassível e sem demonstrar constrangimento. Era um profissional no
cumprimento do dever, que não foi designado para o caso, mas contratado.
Podia não aceitar, mas aceitou, cobrando R$ 15 milhões pelo “serviço”. E
ficam as perguntas: o que o levou a dedicar seus talentos, habilidades e
credibilidade, desenvolvidos ao longo de mais de meio século de estudos
e trabalho, à defesa de alguém que é evidentemente culpado de um dos
grandes escândalos nacionais? Como é que ele lida com os dilemas morais?
Por que, com tantas causas para escolher, ele optou justamente por
essa? Até onde ele irá para defender o bicheiro?
Esse assunto tem a ver com uma
interessante discussão de ordem filosófica sobre o Direito. A sociedade é
testada pela forma como trata os marginais, inclusive os piores
criminosos. Quando um culpado de um crime terrível recebe um julgamento
justo, ficamos aliviados: isso é garantia de que o sistema funciona. Se o
sistema começar a contornar as leis porque o culpado é mau, temos que
ficar preocupados e inseguros. Não importa o criminoso, o sistema tem
que ser honesto e é o advogado de defesa a única peça entre o cliente e o
poder do estado. Sem o advogado de defesa resta o despotismo, quando
ninguém tem segurança jurídica. Portanto, os piores criminosos deveriam
ter sempre os melhores advogados, caso contrário o sistema estaria em
desequilíbrio. Ponto.
Quem conhece o assunto diz que o
advogado experiente não julga seu cliente, apenas o defende. Quem julga
é o júri. Mas será possível ser analítico, lógico e objetivo diante de
casos como o de Cachoeira, Roger Abdelmassih ou dos garotos que botaram
fogo no índio, sem ser afetado por dilemas morais, ideologias, valores e
convicções? Serão os advogados treinados para tratar como questão
meramente técnica aquilo que acham ofensivo ou repugnante? Ou não acham?
Haja sangue frio...
A professora de Direito da
Universidade de Stanford, Barbara Babcock, em seu livro “Defendendo o
Culpado”, elencou algumas possíveis motivações que poderiam explicar a
escolha de Thomaz Bastos:
A razão do “lixeiro”: alguém tem
que fazer o trabalho sujo; a razão legalista ou positivista: a verdade
não pode ser conhecida, a culpa é uma conclusão legal; a razão do
ativista político: muitos dos que cometeram crimes foram vítimas de
injustiças e opressão; a razão humanitária: muitos dos criminosos estão
em desvantagem e devem ser tratados com humanidade e respeito. E por
fim, a razão egotista: o trabalho da defesa é mais interessante,
desafiador e compensador que o trabalho de rotina feito pela maioria dos
advogados.
Muito bem. Não consigo
reconhecer uma explicação para a dupla Thomaz Bastos e Cachoeira em
nenhuma das razões acima. Nem mesmo na explicação filosófica sobre
Direito e Justiça. Além disso, Thomaz Bastos já é rico, portanto não
será pelos R$ 15 milhões que ele assumiu a bronca.
Sobra uma razão: Thomaz Bastos está protegendo amigos, o Cachoeira é apenas uma peça secundária do tabuleiro.
E então vem a pergunta: mas que
amigos? A pista está na famosa frase dita por Hal Holbrook no filme
“Todos os homens do Presidente”:
- Siga o dinheiro.
Luciano Pires
Fonte: http://www.portalcafebrasil.com.br/artigos/perguntas
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