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Como desconhecidos , porém bem conhecidos ; como morrendo , porém vivemos ; como castigados , porém não mortos ; Como entristecidos , porém sempre alegres ; pobres, mas enriquecendo a muitos ; nada tendo , mas possuindo tudo.

Evangelho de : Paulo



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Como trato os homens?



Que obrigação moral eu tenho para com meus semelhantes? Nenhuma, senão aquela que devo a mim mesmo, aos objetos materiais e a toda existência: a racionalidade. Trato os homens como requerem minha natureza e as exigências deles: por meio da razão. Não busco nem desejo nada deles senão os relacionamentos nos quais eles escolham entrar por livre e espontânea vontade. Só sei lidar com suas mentes - e assim mesmo quando isso é do meu interesse - quando eles veem que meu interesse coincide com o deles. Quando isso não acontece, não entro em relação nenhuma. Quem discordar de mim que siga seu caminho, que eu não me desvio do meu. Só venço por meio da lógica, e só a ela me rendo. Não abro mão de minha razão, nem lido com homens que abrem mão da sua. Nada tenho a ganhar com idiotas e covardes; não tento ganhar nada dos vícios humanos: a estupidez, a desonestidade, o medo. Quando discordo de um homem racional, deixo que a realidade seja nosso árbitro final. Se eu estiver certo, ele aprenderá; se eu estiver errado, aprenderei; um de nós ganhará, porém nós dois lucraremos.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O futuro da humanidade

DIVIDOCRACIA




Título: DIVIDOCRACIA
País de Origem: Grécia
Ano: 2011
Tempo: 74 min.
Direção: Katerina Kitidi e Aris Hatzistefanou
Comentários de Jair de Souza: "Documentário que revela a crise econômico-social pela qual passam os países periféricos da União Europeia, em especial a Grécia. Vemos como as políticas econômicas neoliberais impostas pelos agentes financeiros da UE levam à bancarrota os países de sua periferia e os deixam maniatados às decisões das grandes corporações financeiras extranacionais. O interesse primordial é sempre a defesa dos ganhos dos grandes grupos financeiros dos países mais fortes, principalmente da Alemanha, em detrimento das maiorias populares dos países de segunda linha, como Grécia e Irlanda.

O filme também nos mostra que é possível enfrentar com êxito às pressões dos aparelhos a serviço do capital financeiro mundial (FMI, Banco Mundial, etc.) quando os governantes do país ameaçado têm suficiente dignidade para colocar em primeiro lugar a satisfação das necessidades de seu povo, e não a obsessão por lucros dos magnatas financeiros. É o caso do Equador dirigido por Rafael Correa.

Este documentário expõe a crueldade que move o neoliberalismo em seu afã por ganhar cada vez mais às custas do sacrifício de todos os demais setores da população. Ele também deixa claro que, com a decidida mobilização das maiorias populares, o monstruoso aparato financeiro pode ser derrotado."



domingo, 27 de novembro de 2011

Sobre amizade




Tolamente pensamos, em nossos dias de pecado, que devemos cortejar amigos para estar de acordo com costumes sociais, vestimentas e educação, seus julgamentos. Mas apenas poderá ser minha amiga aquela alma que eu encontrar na linha de minha própria marcha, a alma que eu não desaprove e que não me desaprove e, nativa das mesmas latitudes celestiais, repita toda a minha experiência na sua própria.

(...)

Nada é punido com maior rigor que a negligência para com as afinidades que, sozinhas, deveriam ser responsáveis pela formação da sociedade, e a insana levianidade de escolher companhia pelos olhos dos outros.

(...)

Reprovo a sociedade, abraço a solidão e, no entanto, não sou tão ingrato a ponto de não ver o sábio, o amável e o de mente nobre quando tempos em tempos eles passam diante de meu portão. Quem me ouve, quem me entende, torna-se meu - uma possessão para todos os instantes. E não será a natureza tão pobre a ponto de não me ofertar esta alegria diversas vezes, de modo que tecemos nossos próprios fios sociais, uma nova teia de relações; e, como diversos pensamentos em sucessão se auto-substanciam, de um momento para o outro nos encontraremos em um novo mundo de nossa própria criação, não mais forasteiros e peregrinos em um globo que nos foi entregue. Meus amigos a mim vieram sem que eu os buscasse. O grande Deus a mim os deu. Pelo mais antigo direito, pela divina afinidade da virtude consigo mesma, eu os encontro, ou melhor, não eu, mas a Divindade que em mim e neles habita suprime e faz ridículas as muralhas espessas do caráter individual - e das relações, da idade, do sexo, das circunstâncias, com as quais ele normalmente conspira - tornando assim um o que era múltiplo. Muitos agradecimentos vos devo, amantes excelsos que levam para mim o mundo a novas e nobres profundezas, e alargam o significado de todos os meus pensamentos.

(...)

A alma cerca-se de amigos para que possa alcançar maior autoconhecimento ou solidão; e ela permanece sozinha por uma temporada, para que possa melhorar sua conversação ou companhia. Este método se mostra ao longo de toda a história de nossas relações pessoais. O instinto para a afeição revive a esperança de união com nossos iguais, e a sensação de isolamento que revém nos faz suspender a busca.

(...)

Procuramos por nosso amigo não de modo sagrado, mas com paixão adulterada, que dele quer fazer nossa posse. Em vão. Somos totalmente armados de sutis antagonismos que, tão logo nos encontramos, entram em jogo e traduzem toda poesia em decomposta prosa. Quase todas as pessoas se rebaixam para se encontrar. Toda associação deve ser um compromisso e, o que é pior, a própria flor e o aroma da flor em cada uma das belas naturezas desaparecem quando se aproximam das outras. Que perpétuo desapontamento é a sociedade real, mesmo a dos virtuosos e dotados! Depois de encontros terem sido arranjados com grande antecipação, vemo-nos atormentados por explosões abafadas, por súbitas e intempestivas apatias, por convulsões do engenho e dos impulsos vitais, no auge da amizade e do pensamento. Nossas faculdades não nos correspondem, e ambas as partes se sentem aliviadas com a solidão.

(...)

Não desejo tratar amizades com suavidade, mas com a mais áspera coragem. Quando elas são reais, não são lâminas de vidro ou esculturas de gelo, mas a coisa mais sólida que conhecemos.

Ralph Waldo Emerson 

sábado, 26 de novembro de 2011

Garimpo do Real



Ontem a noite, assistimos ao filme "Caninos Brancos", baseado no livro de Jack London, um filme que, além de sua belíssima história, traz também um maravilhoso cenário pelo enquadramento de suas fotografias. Foi logo aos cinco minutos de filme, que recebi a mensagem que realmente tocou ao coração, vinda do personagem Alex Larson:

"Todo mundo encontra um pouco de pó de ouro... É o que te faz continuar cavando... Mas você tem que encontrar a mina."

Um pouco mais a frente, o mesmo personagem diz ao amigo, quando ambos se deparam com algumas pepitas:

"Ainda não fique tão feliz, pois é preciso confirmar sua pureza".

Isso me fez lembrar de várias citações, entre elas, uma de Joaquim Nabuco e outra de Sri-Aurobindo, são elas:
"O ouro substitui ou consegue tudo, mas apenas exteriormente. Interiormente, nada pode. Para a sociedade, parece ser tudo, mas para o coração é nada."

"Se os homens só vislumbrassem quão infinitas as alegrias, quão perfeitas as forças, quão luminosos os alcances de conhecimento espontâneo, quão amplas as quietudes de nosso ser repousando à nossa espera nas extensões que nossa evolução animal ainda não conquistou, eles deixariam tudo e jamais descansariam até terem obtido esses tesouros. Porém, o caminho é estreito, as portas difíceis de serem forçadas, e medo, desconfiança e ceticismo aí estão, tentáculos da Natureza, para impedir o desvio de nossos passos de pastagens menores, comuns."


É preciso estar atento às influências que se apresentam, avaliando-as bem com ajuda da peneira da razão e a água do coração, afim de ter a certeza de que as mesmas não direcionam nossos esforços na direção de pastagens menores, comuns, e ao ouro de baixíssima pureza, que é o ouro dos insensatos, ou como dizia o finado poeta Raulzito, ao Ouro de tolo.

Nelson Jonas


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O homem é simplesmente Deus




O homem parece finito, muito pequeno, como uma gota de orvalho. Mas ele contém em si todos os oceanos, todos os céus. Se você olhar de fora, ele é muito pequeno, minúsculo: só poeira, nada mais - poeira sobre poeira. Mas, se você olhar a partir de dentro, de seu centro, ele é todo o universo.

Esta é a diferença entre ciência e religião: a ciência vê o homem de fora e não encontra nada espiritual, nada divino, apenas fisiologia, química, biologia - outro tipo de animal.

Por isso os cientistas estudam os animais para compreender o homem. Os animais são mais simples, mais fáceis de manipular; assim os cientistas insistem em pesquisar os ratos.

E não importa o que concluam, eles continuam insistindo que é o mesmo caso da raça humana. Esta é um pouco mais complexa, claro, mas basicamente igual. A ciência reduziu os homens aos ratos. E o homem só pode ser compreendido agora com o estudo dos ratos ou dos cães.

Mas, na verdade, o homem só pode ser compreendido se forem compreendidos os Budas, os Cristos, os Krishnas. Lembre-se sempre de que isto é fundamental: você não pode compreender o superior estudando o inferior, mas pode compreender o inferior estudando o superior. O superior contém o inferior, mas o inferior não contém o superior.

O único modo de compreender o homem não é externo, não é pela observação, mas pela meditação. É preciso entrar em sua interioridade, em sua subjetividade. Posicionando-se lá, você conhece a maior das maravilhas e o maior dos deslumbramentos: o homem é simplesmente Deus.

Osho, em "Meditações Para a Noite"

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pequeno tratado sobre Hipocrisia



A santidade sempre está fora da hipocrisia coletiva. O hipócrita mantém as aparências com a mesma dedicação que o virtuoso dispensa para cuidar de seus ideais. A hipocrisia é mais profunda que a mentira: esta pode ser acidental, aquela é permanente. O hipócrita transforma sua vida inteira em uma mentira metódicamente organizada. Faz o contrário do que diz, se isso lhe trouxer um benefício imediato; vive traindo com suas palavras, como esses poetas que disfarçam com longos versos a escassez de inspiração. O hábito da mentira paralisa os lábios do hipócrita quando chega a hora de pronunciar uma verdade. Assim como a preguiça é a chave da rotina e a avidez, do servilismo, a mentira é o prodigioso instrumento da hipocrisia. Seja qual for seu nível social, na intimidade ou na proscrição, na opulência ou na miséria, o hipócrita sempre está disposto a adular os poderosos e enganar os humildes, mentindo a ambos. Aquele que se acostuma a dizer mentiras acaba faltando à sua própria palavra sem pudor, perdendo a noção de lealdade consigo mesmo. Os hipócritas ignoram que a verdade é a condição fundamental da virtude. Esquecem a antiga sentença de Apolônio: "Mentir é de servos; de livres, dizer a verdade". Por isso o hipócrita está predisposto a adquirir sentimentos servis. É o lacaio dos que o rodeiam, o escravo de mil amos, de um milhão de amos, de todos os cúmplices de sua mediocridade.

Aquele que mente é traidor: suas vítimas escutam-no pensando que diz a verdade. O mentiroso conspira contra a quietude alheia, desrespeita todos, semeia a insegurança e a desconfiança. Com olhar desconfiado persegue os sinceros, considerando-os seus inimigos naturais. Detesta a sinceridade. Diz que ela é a fonte de escândalos e anarquia, como se pudesse culpar a vassoura pela sujeira existente.

No fundo, suspeita que o homem sincero é forte e individualista; nestas qualidades reside sua altivez inquebrantável, pois sua oposição à hipocrisia é uma atitude de resistência ao mal que o acossa por todas partes. Defende-se contra o servilismo e o rebaixamento comum. E diz a sua verdade como pode, quando pode, onde pode. Mas sabe dizê-la. Muitos santos ensinaram a morrer por ela.

Os homens retos são objeto de seu refinado rancor, pois com sua retidão humilham os oblíquos; dedicam-se a estudar os defeitos dos homens virtuosos para infiltrar pérfidos venenos na homenagem que a cada momento são obrigados a tributar-lhes. Difamam surdamente; traem sempre, como escravos, como os híbridos que trazem nas veias sangue servil. Deve-se tremer quando sorriem: chegam apalpando a empunhadura de algum canivete oculto na roupa.

O hipócrita enfraquece a amizade com sua hipocrisia: ninguém pode confiar em sua ambiguidade persistente. Pouco a pouco debilita a união com as pessoas que o rodeiam; sua pouca sensibilidade impede aquecer-se na ternura alheia e seu coração vai empalidecendo como uma planta que não recebe sol, murchando num inverno prematuro. Só pensa em si mesmo, e essa é a sua suprema pobreza. Seus sentimentos murcham nas estufas da mentira e da vaidade. Enquanto os indivíduos dignos crescem em perpétuo esquecimento de seu passado e pensam em coisas nobres para seu futuro, os hipócritas se dobram sobre si mesmos, sem perceber, sem se gastar, retraindo-se, atrofiando-se. A falta de amigos íntimos impede os hipócritas de se abrirem, obcecados pelo temor de que sua consciência moral venha à tona. Sabem que seria suficiente uma leve brisa para retirar seu levíssimo véu da virtude. Sem poder confiar em ninguém, vivem secando as fontes de seu próprio coração: não sentem a raça, a pátria, a classe, a família, nem a amizade, embora saibam inventá-las para explorá-las melhor. Alheios a tudo e a todos, perdem o sentimento de solidariedade social, até cair em sórdidas caricaturas do egoísmo. O hipócrita mede sua generosidade pelas vantagens que obtém dela; concebe a beneficência como uma indústria lucrativa para sua reputação. Antes de dar, averigua se seu donativo terá reconhecimento; figura em primeiro plano em todas as contribuições públicas, mas não abriria a mão na sombra. Investe seu dinheiro num bazar de caridade, como se comprasse ações de uma empresa; isso não o impede de exercer a usura em privado ou tirar proveito da fome alheia.

Sua indiferença à desgraça do próximo pode arrastá-lo a cumplicidades indignas. Para satisfazer seus apetite não hesitará diante de intrigas cinzentas, sem se preocupar com suas consequências imprevistas. Uma palavra do hipócrita é suficiente para dois amigos se tornarem inimigos ou para dois amantes se distanciarem. Suas armas são poderosas porque são invisíveis; com uma suspeita falsa pode envenenar uma felicidade, distruir uma harmonia, quebrar um acordo. Seu apego à mentira faz acolher benevolamente qualquer infâmia, aumentando-a até o infinito, sorrateiramente, sem ver o rumo nem medir a profundidade de sua irresponsabilidade como esses animais que cavam ao acaso seus esconderijos, cortando as raízes das flores mais delicadas.

Indigno da confiança alheia, o hipócrita vive desconfiando de todos até cair no supremo infortúnio da suscetibilidade. Um terror ansioso o intimida ante os homens sinceros, acreditando escutar em cada uma de suas palavras uma recriminação merecida; não há nisso nenhuma dignidade, mas remorso. É muito frequente a suscetibilidade do hipócrita, que teme ser desmascarado pelos sinceros.

Costuma ter cúmplices, mas não tem amigos; a hipocrisia não ata pelo coração, mas pelo interesse. Os hipócritas, forçosamente utilitários e oportunistas, sempre estão dispostos a trair seus princípios a favor de um benefício imediato; isso impede a amizade com espíritos superiores. O cavalheiro sempre é inimigo deles, pois a reciprocidade de sentimentos só é possível entre iguais; não pode nunca se render à sua amizade, pois buscarão a ocasião para ofendê-lo com alguma infâmia, vingando sua própria inferioridade. La Bruyère escreveu uma máxima imortal: "Na amizade desinteressada existem prazeres que os que nasceram medíocres não podem alcançar". Estes necessitam cúmplices, procurando-os entre os que conhecem os meios secretos descritos como uma simples solidariedade no mal. Se o homem sincero se entregar, eles aguardarão uma hora propícia para trai-lo; por isso a amizade é difícil para os grandes espíritos e estes não oferecem sua intimidade quando se elevam demais sobre o nível comum. Os homens eminentes necessitam dispor de infinita sensibilidade e tolerância para se entregar; quando se entregam, nada põe limites a sua ternura e devoção. Entre os indivíduos nobres a amizade cresce devagar e prospera melhor quando arraiga no reconhecimento dos méritos recíprocos; entre os homens vulgares cresce sem razão, mas permanece raquítica, baseando-se muitas vezes na cumplicidade do vício e da intriga. Por isso a política pode criar cúmplices, mas nunca amigos; muitas vezes induz a trocar estes por aqueles, esquecendo-se de que trocá-los com frequência equivale a não tê-los. Enquanto nos hipócritas a cumplicidade se extingue com o interesse que a determina, nos indivíduos leais a amizade dura tanto quanto os méritos que a inspiram.

Sendo desleal, o hipócrita é também ingrato. Inverte as fórmulas do reconhecimento: aspira à divulgação dos favores que faz, sem ser por isso sensível aos que recebe. Multiplica por mil o que dá e divide por um milhão o que aceita. Ignora a gratidão - virtude dos eleitos -, inquebrantável cadeia reforçada para sempre nos corações sensíveis pelos que sabem dar na hora certa e com os olhos fechados. Às vezes é ingrato sem sabê-lo devido a um simples erro de contabilidade sentimental. Para evitar a ingratidão alheia a única ideia que tem é não fazer o bem: cumpre sua decisão sem esforço, limitando-se a praticar suas formas ostensíveis na proporção que convier à sua sombra. Seus sentimentos são outros: o hipócrita sabe que pode continuar sendo honesto, mesmo que pratique o mal com dissimulo e a ingratidão com desembaraço.

Contrastando com o pudor instintivo, puro por definição, os hipócritas organizaram um pudor convencional, impudico e corrosivo. A capacidade de amar, cuja efervescência santifica a própria vida, eternizando-a, parece-lhes inconfessável, como se o contato de duas bocas amantes fosse menos natural que o beijo do sol quando acende as corolas das flores. Mantêm oculto e misterioso tudo que se refere ao amor, como se a transformação em delito não adornasse a tentação dos puros; mas essa afetação visível não os proíbe de ensaiar invisivelmente os atos abjetos mais vis. Escandalizam-se com a paixão sem renunciar ao vício, limitando-se a disfarçá-lo ou encobri-lo. Acham que o mal não está nas próprias coisas, mas na aparência, formando uma moral para ele e outra para os demais, como essas casadas que se ufanam de sua honestidade mesmo que tenham três amantes e repudiam a moça que ama um só homem sem ser casada. Não tem limites essa escabrosa fronteira da hipocrisia. Zelosos censores dos costumes, perseguem as mais puras exibições de beleza artística. Poriam uma folha de parra na mão da Vênus Medicea, como já ultrajaram telas e estátuas para cobrir os mais divinos nus da Grécia e do Renascimento. Confundem a puríssima harmonia da beleza plástica com a intenção obscena que os assalta ao contemplá-la. Não percebem que a perversidade sempre está neles, nunca na obra de arte.

O pudor dos hipócritas é a peruca de sua calvície moral.

José Ingenieros
O Homem Medíocre



Pequeno tratado sobre Hipocrisia




A santidade sempre está fora da hipocrisia coletiva. O hipócrita mantém as aparências com a mesma dedicação que o virtuoso dispensa para cuidar de seus ideais. A hipocrisia é mais profunda que a mentira: esta pode ser acidental, aquela é permanente. O hipócrita transforma sua vida inteira em uma mentira metódicamente organizada. Faz o contrário do que diz, se isso lhe trouxer um benefício imediato; vive traindo com suas palavras, como esses poetas que disfarçam com longos versos a escassez de inspiração. O hábito da mentira paralisa os lábios do hipócrita quando chega a hora de pronunciar uma verdade. Assim como a preguiça é a chave da rotina e a avidez, do servilismo, a mentira é o prodigioso instrumento da hipocrisia. Seja qual for seu nível social, na intimidade ou na proscrição, na opulência ou na miséria, o hipócrita sempre está disposto a adular os poderosos e enganar os humildes, mentindo a ambos. Aquele que se acostuma a dizer mentiras acaba faltando à sua própria palavra sem pudor, perdendo a noção de lealdade consigo mesmo. Os hipócritas ignoram que a verdade é a condição fundamental da virtude. Esquecem a antiga sentença de Apolônio: "Mentir é de servos; de livres, dizer a verdade". Por isso o hipócrita está predisposto a adquirir sentimentos servis. É o lacaio dos que o rodeiam, o escravo de mil amos, de um milhão de amos, de todos os cúmplices de sua mediocridade.

Aquele que mente é traidor: suas vítimas escutam-no pensando que diz a verdade. O mentiroso conspira contra a quietude alheia, desrespeita todos, semeia a insegurança e a desconfiança. Com olhar desconfiado persegue os sinceros, considerando-os seus inimigos naturais. Detesta a sinceridade. Diz que ela é a fonte de escândalos e anarquia, como se pudesse culpar a vassoura pela sujeira existente.

No fundo, suspeita que o homem sincero é forte e individualista; nestas qualidades reside sua altivez inquebrantável, pois sua oposição à hipocrisia é uma atitude de resistência ao mal que o acossa por todas partes. Defende-se contra o servilismo e o rebaixamento comum. E diz a sua verdade como pode, quando pode, onde pode. Mas sabe dizê-la. Muitos santos ensinaram a morrer por ela.

Os homens retos são objeto de seu refinado rancor, pois com sua retidão humilham os oblíquos; dedicam-se a estudar os defeitos dos homens virtuosos para infiltrar pérfidos venenos na homenagem que a cada momento são obrigados a tributar-lhes. Difamam surdamente; traem sempre, como escravos, como os híbridos que trazem nas veias sangue servil. Deve-se tremer quando sorriem: chegam apalpando a empunhadura de algum canivete oculto na roupa.

O hipócrita enfraquece a amizade com sua hipocrisia: ninguém pode confiar em sua ambiguidade persistente. Pouco a pouco debilita a união com as pessoas que o rodeiam; sua pouca sensibilidade impede aquecer-se na ternura alheia e seu coração vai empalidecendo como uma planta que não recebe sol, murchando num inverno prematuro. Só pensa em si mesmo, e essa é a sua suprema pobreza. Seus sentimentos murcham nas estufas da mentira e da vaidade. Enquanto os indivíduos dignos crescem em perpétuo esquecimento de seu passado e pensam em coisas nobres para seu futuro, os hipócritas se dobram sobre si mesmos, sem perceber, sem se gastar, retraindo-se, atrofiando-se. A falta de amigos íntimos impede os hipócritas de se abrirem, obcecados pelo temor de que sua consciência moral venha à tona. Sabem que seria suficiente uma leve brisa para retirar seu levíssimo véu da virtude. Sem poder confiar em ninguém, vivem secando as fontes de seu próprio coração: não sentem a raça, a pátria, a classe, a família, nem a amizade, embora saibam inventá-las para explorá-las melhor. Alheios a tudo e a todos, perdem o sentimento de solidariedade social, até cair em sórdidas caricaturas do egoísmo. O hipócrita mede sua generosidade pelas vantagens que obtém dela; concebe a beneficência como uma indústria lucrativa para sua reputação. Antes de dar, averigua se seu donativo terá reconhecimento; figura em primeiro plano em todas as contribuições públicas, mas não abriria a mão na sombra. Investe seu dinheiro num bazar de caridade, como se comprasse ações de uma empresa; isso não o impede de exercer a usura em privado ou tirar proveito da fome alheia.

Sua indiferença à desgraça do próximo pode arrastá-lo a cumplicidades indignas. Para satisfazer seus apetite não hesitará diante de intrigas cinzentas, sem se preocupar com suas consequências imprevistas. Uma palavra do hipócrita é suficiente para dois amigos se tornarem inimigos ou para dois amantes se distanciarem. Suas armas são poderosas porque são invisíveis; com uma suspeita falsa pode envenenar uma felicidade, distruir uma harmonia, quebrar um acordo. Seu apego à mentira faz acolher benevolamente qualquer infâmia, aumentando-a até o infinito, sorrateiramente, sem ver o rumo nem medir a profundidade de sua irresponsabilidade como esses animais que cavam ao acaso seus esconderijos, cortando as raízes das flores mais delicadas.

Indigno da confiança alheia, o hipócrita vive desconfiando de todos até cair no supremo infortúnio da suscetibilidade. Um terror ansioso o intimida ante os homens sinceros, acreditando escutar em cada uma de suas palavras uma recriminação merecida; não há nisso nenhuma dignidade, mas remorso. É muito frequente a suscetibilidade do hipócrita, que teme ser desmascarado pelos sinceros.

Costuma ter cúmplices, mas não tem amigos; a hipocrisia não ata pelo coração, mas pelo interesse. Os hipócritas, forçosamente utilitários e oportunistas, sempre estão dispostos a trair seus princípios a favor de um benefício imediato; isso impede a amizade com espíritos superiores. O cavalheiro sempre é inimigo deles, pois a reciprocidade de sentimentos só é possível entre iguais; não pode nunca se render à sua amizade, pois buscarão a ocasião para ofendê-lo com alguma infâmia, vingando sua própria inferioridade. La Bruyère escreveu uma máxima imortal: "Na amizade desinteressada existem prazeres que os que nasceram medíocres não podem alcançar". Estes necessitam cúmplices, procurando-os entre os que conhecem os meios secretos descritos como uma simples solidariedade no mal. Se o homem sincero se entregar, eles aguardarão uma hora propícia para trai-lo; por isso a amizade é difícil para os grandes espíritos e estes não oferecem sua intimidade quando se elevam demais sobre o nível comum. Os homens eminentes necessitam dispor de infinita sensibilidade e tolerância para se entregar; quando se entregam, nada põe limites a sua ternura e devoção. Entre os indivíduos nobres a amizade cresce devagar e prospera melhor quando arraiga no reconhecimento dos méritos recíprocos; entre os homens vulgares cresce sem razão, mas permanece raquítica, baseando-se muitas vezes na cumplicidade do vício e da intriga. Por isso a política pode criar cúmplices, mas nunca amigos; muitas vezes induz a trocar estes por aqueles, esquecendo-se de que trocá-los com frequência equivale a não tê-los. Enquanto nos hipócritas a cumplicidade se extingue com o interesse que a determina, nos indivíduos leais a amizade dura tanto quanto os méritos que a inspiram.

Sendo desleal, o hipócrita é também ingrato. Inverte as fórmulas do reconhecimento: aspira à divulgação dos favores que faz, sem ser por isso sensível aos que recebe. Multiplica por mil o que dá e divide por um milhão o que aceita. Ignora a gratidão - virtude dos eleitos -, inquebrantável cadeia reforçada para sempre nos corações sensíveis pelos que sabem dar na hora certa e com os olhos fechados. Às vezes é ingrato sem sabê-lo devido a um simples erro de contabilidade sentimental. Para evitar a ingratidão alheia a única ideia que tem é não fazer o bem: cumpre sua decisão sem esforço, limitando-se a praticar suas formas ostensíveis na proporção que convier à sua sombra. Seus sentimentos são outros: o hipócrita sabe que pode continuar sendo honesto, mesmo que pratique o mal com dissimulo e a ingratidão com desembaraço.

Contrastando com o pudor instintivo, puro por definição, os hipócritas organizaram um pudor convencional, impudico e corrosivo. A capacidade de amar, cuja efervescência santifica a própria vida, eternizando-a, parece-lhes inconfessável, como se o contato de duas bocas amantes fosse menos natural que o beijo do sol quando acende as corolas das flores. Mantêm oculto e misterioso tudo que se refere ao amor, como se a transformação em delito não adornasse a tentação dos puros; mas essa afetação visível não os proíbe de ensaiar invisivelmente os atos abjetos mais vis. Escandalizam-se com a paixão sem renunciar ao vício, limitando-se a disfarçá-lo ou encobri-lo. Acham que o mal não está nas próprias coisas, mas na aparência, formando uma moral para ele e outra para os demais, como essas casadas que se ufanam de sua honestidade mesmo que tenham três amantes e repudiam a moça que ama um só homem sem ser casada. Não tem limites essa escabrosa fronteira da hipocrisia. Zelosos censores dos costumes, perseguem as mais puras exibições de beleza artística. Poriam uma folha de parra na mão da Vênus Medicea, como já ultrajaram telas e estátuas para cobrir os mais divinos nus da Grécia e do Renascimento. Confundem a puríssima harmonia da beleza plástica com a intenção obscena que os assalta ao contemplá-la. Não percebem que a perversidade sempre está neles, nunca na obra de arte.

O pudor dos hipócritas é a peruca de sua calvície moral.

José Ingenieros
O Homem Medíocre

No amor não há espera de troca



Se nosso relacionamento for puro, não desejaremos nada de quem quer que seja, a não ser a chance de trabalhar, partilhar, de alguma maneira, ser instrumento de benção para o outro nosso Ser. Nada pediremos em troca. A oportunidade de repartir, de amar e cooperar será o suficiente, pois tudo que o Pai tem é nosso; e o Pai tem os meios de nos suprir sem que o desejamos ou o peçamos. Um tal estado de consciência da nossa verdadeira identidade cria uma ligação espiritual entre todos aqueles que estão nesse mesmo caminho. Nessa ligação, ninguém pensa em tirar vantagem de qualquer outro; ninguém pensa no benefício próprio, em auto-engrandecimento ou qualquer forma egoísta, mas sim em partilhar o "EU".

Joel S. Goldsmith - O trovejar do silêncio

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sendo magoado durante toda a vida



Tomemos por exemplo o mal que cada ser humano sofre desde a infância. É-se magoado pelos próprios pais, psicologicamente; depois magoado na escola, na universidade, através da comparação, através da competição, através de se dizer que tem que se ser excelente nesta matéria, etc. Durante toda a vida existe este processo constante de se ser magoado. Sabe-se isto, e que todos os seres humanos são magoados, profundamente, coisa de que podem não ter consciência, e que de tudo isto surgem todas as formas de ações neuróticas. Tudo isso faz parte da consciência da pessoa – uma consciência em parte oculta e em parte manifesta de que se é magoado. Agora, é possível não se ser de todo magoado? Porque as consequências de se ser magoado são a edificação de um muro em torno de si mesmo, afastando-se no relacionamento com os outros para não se ser mais magoado. Nisso há medo e um isolamento gradual. Agora, perguntamos: É possível não só ficar livre de males passados, mas também jamais ser magoado novamente?

Krishnamurti, The Flame of Attention, pp 87-88

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Muito além de nomes e formas



Na realidade, apenas o Último existe. O restante é uma questão de nome e forma. Enquanto você depender da idéia de que apenas o que tem nome e forma existe, o Supremo parecerá não existir para você. Quando você compreender que nomes e formas são conchas vazias sem qualquer conteúdo, e que o que é real é inominável e sem-forma, pura energia da vida e luz da Consciência, você estará em paz - imerso no profundo silêncio da realidade.

Nisargadatta Maharaj 

A cotidiana rotina de nossa existência



Nossa vida é um campo de batalha, da hora de nascermos à hora da morte; é agonia, desespero, sentimento de "culpa", medo, competição incessante, comparação de nós mesmos com outros, esforço para sermos mais e cada vez mais, esforço para controlar-nos, libertar-nos, alcançar novos alvos, conservar o que consquistamos. Nossa vida diária, a cotidiana rotina de nossa existência, é competição, brutalidade, agonia, desespero; solidão; uma constante aflição que não conseguimos resolver, afastar de nós. Tal é o fato, o que realmete é, e nunca fomos capazes de transcendê-lo. Temos uma verdadeira rede de "vias de fuga": campo de futebol, igrejas, religião organizada, museus e concertos e, naturalmente, também a investigação intelectual, que não leva a parte alguma. Tal é a nossa vida, mas isso, evidentemente, não é viver. O viver implica um estado mental inteiramente livre de conflito; livre de todo e qualquer conflito - viver!


Krishnamurti - A Essência da Maturidade - ICK 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Não há dois fogos iguais


“Um homem do povo Neguá, na costa da Colombia, pôde subir alto no céu.

Na volta contou. Disse que havia contemplado de lá de cima, a vida humana. E disse que somos um mar de foguinhos.

- O mundo é isto – revelou – um montão de gente, um mar de foguinhos. Cada pessoa brilha com uma luz própria entre todas as demais.

Não há dois fogos iguais. Há fogos grandes e fogos pequenos e fogos de todas as cores. Há gente de fogo sereno, que o vento nem se dá conta, e gente de fogo louco que enche o ar de chispas. Alguns fogos bobos, não iluminam nem queimam; mas outros ardem a vida com tanta paixão que não se pode olhar para eles sem piscar, e quem se aproxima se acende.”
Eduardo Galeano

domingo, 20 de novembro de 2011

Ambição



Ambição simplesmente significa que você está sentindo um profundo vazio e você deseja preenchê-lo com qualquer coisa possível; com o que quer que seja.

E uma vez entendido isso, então você não tem mais nada a ver com a ambição. Você tem algo a ver com o seu chegar a uma
comunhão com o todo
, assim o vazio interior desaparece.

Isso não significa que você começa a viver despido; isso simplesmente significa que você
não vive somente para acumular coisas.
Osho, em "Beyond Psychology"
Imagem por
akahodag

Em sintonia e fora de sintonia


E você sempre acha que alguma coisa está fora de sintonia. Isso também é natural, pois, quando duas pessoas se encontram, dois mundos diferentes também estão se encontrando.

Esperar que eles se encaixem perfeitamente é esperar demais, é
esperar o impossível
, e isso provocará frustração. Algo sempre estará fora de sintonia. Se vocês se entrosarem perfeitamente e nada ficar fora de sintonia, o relacionamento ficará estagnado.

No máximo, haverá alguns momentos em que tudo está em sintonia, raros momentos. Mesmo que esses momentos aconteçam, eles podem nem ser detectados, pois são tão
raros e fugidios
!

Mal chegam e já estão indo embora;
não passam de um vislumbre
. E esse vislumbre pode deixá-los mais frustrados, porque você começará a perceber que mais e mais coisas estão fora de sintonia.

É assim que tem que ser. Empenhe-se ao máximo para criar essa sintonia, mas esteja sempre preparado para o caso de ela não acontecer perfeitamente. E
não se preocupe com isso
, do contrário você ficará cada vez mais fora de sintonia.

O sentimento de estar em sintonia só ocorre quando você não está preocupada com isso. Ele acontece apenas quando você não está tenso em relação a isso,
quando não tem expectativas
- ele surge do nada. Trata-se de uma graça, de uma dádiva da existência, uma dádiva do amor.

O amor não é uma coisa que você possa fazer. Mas, fazendo outras coisas, o amor pode acontecer. Existem coisinhas que você pode fazer - sentarem-se juntos, olhar a lua, ouvir música -
nada diretamente relacionado ao amor
.

O amor é muito delicado, muito frágil. Se você olha para ele, fixa os olhos nele diretamente, ele desaparece. Só aparece quando você está distraído,
fazendo outra coisa
.

Você não pode atingi-lo diretamente, como com uma flecha. O amor não é um alvo. Ele é um
fenômeno muito sutil. É muito tímido. Se você encará-lo de frente, ele se esconde. Se fizer alguma coisa diretamente, você o perde.
Osho, em "A Essência do Amor: Como Amar com Consciência e se Relacionar Sem Medo"

 


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O povo não precisa de liderança, o povo precisa de consciência e tem muita gente fazendo esse trabalho, acadêmicos e não acadêmicos. Eu sei porque eu trabalho em favela muitas vezes e sei que tem muito movimento cultural rolando. Tem muito trabalho de base acontecendo. Ele não aparece e é bom que não apareça, porque se aparecer, o sistema vai lá pra acabar com aquilo. ( Eduardo Marinho )