Por: Cretchu
A primeira atitude de Ivan Bongiorno, que impediu que se fotografasse o fenômeno, foi mandar cortar a rosa. Um pedreiro de poucas letras, enquanto bebia uma cachaça com o jardineiro encarregado da honrosa missão, argumentou, com aquele profissional, se não seria melhor quebrar todo o assoalho e verificar o que havia no solo para provocar o brotar da rosa. O jardineiro ouviu as ponderações do pedreiro e, no dia seguinte, compareceu ao gabinete da promotoria, no Fórum local, para contar o ocorrido a Ivan Bongiorno. O pedreiro foi chamado, incontinenti, à presença do ofendido promotor, onde foi obrigado a se desculpar por sua intromissão em assuntos que não lhe diziam o menor respeito, e do qual não deveria opinar com sua compreensão estúpida de analfabeto ignorante.
Pois a rosa foi cortada e jogada no lixo, e naquele dia ninguém mais se atreveu a fazer coro com as afirmações do infeliz pedreiro. No entanto, novos acontecimentos se juntariam àquele estranho fenômeno, e o comportamento de Ivan Bongiorno, este grande jurista de mente científica, iria ficar cada vez mais estranho. Tão estranho quanto aquele, o de mandar apenas cortar uma rosa que irrompeu no assoalho de sua casa, sem investigar a fundo o que provocara o fenômeno.
Estou vendo que você, meu velho amigo... Sim, devo chamar você de velho amigo, porque nós nem bem nos conhecemos, e você acolheu meu humilde pedido de me pagar uma pinga. Por acaso eu sou o único a pedir um negócio destes a você? Você paga uma pinga a qualquer um que lhe pede? Claro que não. Se você aceitou me pagar uma pinga, é porque nós somos velhos amigos, embora não saibamos como. Mas pode ficar sossegado que já estou lhe devolvendo a gentileza, contando esta história absolutamente verídica.
Pois bem, vejo que você concorda que Ivan Bongiorno deveria investigar o que causara aquele fenômeno estranho. Uma rosa brotou no assoalho de sua casa. Já imaginou a grossura do assoalho? Nem o pedreiro que questionou a atitude do promotor deve ter pensado o quanto o assoalho era firme e grosso. Pois uma rosa irrompeu pelo assoalho. Segundo o jardineiro, não fez qualquer estrago. Esquisito, não? Se ainda fosse uma mangueira... Pois isto não foi mais esquisito que o comportamento de Ivan Bongiorno. Ele deveria, sim, mandar apurar os fatos. Mas não fez isto porque, no fundo, sabia o que provocou o nascimento daquela rosa. O homem mais tecnicista de todo o Universo começava a ser importunado por fantasmas. E vou contar o porquê.
De início, aquela casa enorme de Ivan Bongiorno não existia. No lugar, estava um grande terreno que ocupávamos eu e minha mãe, desde a época em que eu nasci e que meu pai desaparecera no mundo. Tínhamos um barraco no fundo do terreno, feito de taipa e amianto, que era muito quente no verão e muito frio no inverno, e dentro do barraco o ar não circulava muito. Na frente do barraco ficava o quintal, dando para a rua. O quintal era todo tomado por rosas vermelhas, ficando uma réstia de caminho por onde passávamos da rua ao barraco. Estas rosas eram cultivadas por minha mãe, com todo o carinho, desde que mudamos para lá, e minha mãe as vendia na cidade e para pessoas de outra localidade. Delas tirávamos nosso sustento, que era pouco, mas o suficiente para não morrermos de fome, ainda mais porque não tínhamos outros parentes naquela cidade.
Ninguém da cidade bulia com as rosas de minha mãe, mesmo à noite e apesar da cerca de bambu que não agüentava nada. Nas cidades do interior de Minas há um certo respeito que nunca deixa de existir, mas que se omite para ceder seu lugar ao temor. Assim, a solidariedade comum nos povos do interior fica prejudicada com a arbitrariedade cometida por autoridades constituídas pelo próprio povo. Desculpe tirar do bolso o meu sociologismo de botequim, mas foi assim que eu vi o que aconteceu comigo e com minha mãe, quando Ivan Bongiorno chegou na cidade. Porque parece que aquele respeito todo deixou de existir, quando o promotor começou a agir contra nós. Bom, na verdade ele continuou existindo, pois as pessoas ficaram consternadas, mas mesmo assim acataram as determinações de Ivan Bongiorno, seja para nos tirar daquele lugar, seja para não reagirem quando nos tiravam daquele lugar.
Pois eu estava com onze anos na época, e estudava na quarta série, sendo que nas horas vagas eu ficava ajudando minha mãe a cuidar das rosas e a vendê-las. Como eu disse, morávamos num barraco, ou seja, pobremente, tirando nosso sustento da venda das rosas. Ninguém nos incomodava, e nós não incomodávamos ninguém. Eu sabia que havia uma vida financeira melhor, se me aliasse ao crime, visto ser menor de idade e ter pouca instrução, seja em nossa cidade, seja em cidades maiores. Mas preferia levar minha vida pobre, estudando e trabalhando, acreditando que no futuro eu poderia teɲ uma vida mais digna com honestidade. Foi nesta época que Ivan Bongiorno chegou na cidade, tomando posse no lugar do antigo promotor de Justiça, que foi para uma cidade maior.
Em nossa cidade, havia uma regra seguida por todos os prefeitos, de que a municipalidade deveria pagar os aluguéis do juiz, do promotor e do delegado, pois os mesmos eram pessoas de fora que não tinham imóveis na cidade. Bom, claro que os vencimentos destas personalidades era suficiente para pagar um aluguel, e até para comprar casa. Acontece que nenhum deles tinha interesse em comprar casa em nossa cidade, onde os imóveis se valorizavam muito pouco, ou até nada. Quanto aos aluguéis, os prefeitos argumentavam, ao longo de seus mandatos, que ficariam sob responsabilidade da prefeitura porque estas pessoas eram indispensáveis à vida de nossa cidade. Tinham toda razão quanto à indispensabilidade destas autoridades. Entretanto, as casas ocupadas pelos juízes, promotores e delegados que se sucediam em nossa cidade, eram sempre as mesmas e pertenciam a pessoas poderosas que investiam pesado nas campanhas dos políticos que se candidatavam em nosso município. Com a regra do pagamento de aluguéis por parte da prefeitura, estes proprietários tinham assegurado sua renda.
O atual prefeito mantinha a regra, e Ivan Bongiorno, antes mesmo de conhecer nossa cidade, já sabia desta benesse. Quando aportou em nossa cidade, foi recebido como herói por pessoas que nunca o viram antes, e se acomodou na casa que fora ocupada pelo promotor que o antecedera. Ele impressionava por seu porte atlético, homem muito alto e que, apesar de jovem, já possuía a cabeleira toda branca, mantendo bem alinhados todos os fios de cabelos. Mas Ivan Bongiorno começou a questionar a extensão desta regra, alegando que ela poderia se tornar mais flexível. Argumentava Ivan Bongiorno que a casa onde morava era simples demais, que ele era um homem da sociedade, que conhecia e recebia tudo quanto era Vip do Brasil e do mundo, que tinha uma grande biblioteca, e por aí afora. Assim, necessitava de uma casa melhor e mais espaçosa.
A primeira reação do proprietário da casa onde estava morando Ivan Bongiorno foi de irritação. Ele alugava a casa para promotores há mais de vinte anos, tendo uma renda garantida pela prefeitura, e perderia esta renda por causa dos caprichos do novo promotor. Mas o prefeito tratou de tranqüilizá-lo, prometendo que, assim que o promotor se mudasse, a prefeitura alugaria sua casa para nela instalar um posto de saúde, aumentando, também, o valor do aluguel. O proprietário ficou satisfeito com a solução, e até ajudou os funcionários da prefeitura a buscarem uma nova residência para Ivan Bongiorno, preferencialmente dentre os imóveis de propriedade das pessoas que investiam nas campanhas políticas dos candidatos da cidade.
Procuraram durante vários dias, mostrando o resultado para Ivan Bongiorno. O promotor vistoriava o imóvel encontrado e, com um raciocínio que buscava ser cientificamente neutro, reprovava a residência. Várias eram as teses levantadas pelo promotor. Até as crianças das escolas municipais eram convocadas a procurar casa para o promotor, com promessa de que a turma que conseguisse encontrar uma residência ideal poderia visitar o Fórum. Ora, qualquer pessoa devidamente trajada pode visitar o Fórum, mas vai explicar isto para as pessoas humildes do interior de Minas. Logo, visitar o Fórum era um prêmio que enchia de satisfação a todas as crianças e a seus orgulhosos pais. Fique sabendo que a minha turma se engajou nessa missão, e eu participei ativamente. Mas Ivan Bongiorno continuava a reprovar todos os imóveis encontrados, sempre com seu raciocínio lógico.
Até que num domingo de muito calor, Ivan Bongiorno vinha de carro com sua mulher, voltando de um almoço na churrascaria de um hotel fazenda perto de nossa cidade, quando passou em frente à nossa casa.
A primeira reação de Ivan Bongiorno foi de prazer, ao ver rosas tão bem cuidadas. Parou seu carro, enquanto sua mulher lhe dizia que daquelas rosas saiu o ramalhete com que foram presenteados quando de sua chegada. Ali morava a mais famosa vendedora de rosas de toda a região. Mas Ivan Bongiorno viu mais que a beleza do quintal. Também viu mais que o barraco onde morávamos. Enquanto problemas e hipóteses vinham à mente de Ivan Bongiorno, minha mãe saiu no quintal, ficando a postos, acreditando que eram compradores de rosas. De fato, Ivan Bongiorno se aproximou mais um pouco e, para concluir as ponderações que faziam para si próprio, encomendou um buquê de rosas para sua mulher. Minha mãe escolheu as melhores rosas do jardim, impressionada pela estampa do comprador, principalmente por seus belos cabelos brancos. Entregou-as a Ivan Bongiorno, que logo as repassou para sua mulher. Esta cena romântica se desenrolou no tempo exato para que o promotor concluísse que, se não encontrara a casa certa para residir, encontrou o lugar preciso para construí-la.
Naquele domingo mesmo, Ivan Bongiorno telefonou para o prefeito, solicitando informações sobre o local. O prefeito replicou que lá residia uma pobre mulher, com seu filho menor, e que ambos viviam pobremente, mas com dignidade, vendendo as rosas que a mulher cultivava. Ivan Bongiorno foi claro, dizendo que os dois deveriam ser desalojados, e que naquele lugar deveria ser construída a sua residência. O prefeito ainda tentou resistir, mas o promotor começou a discorrer sobre irregularidades administrativas que poderiam vir à tona numa provável ação civil pública. Mesmo não sabendo quais irregularidades eram estas, o prefeito acatou a vontade de Ivan Bongiorno.
No dia seguinte, ainda de manhã, minha mãe recebeu uma notificação da prefeitura para que deixássemos o local onde residíamos. Dizia a notificação que aquele terreno pertencia ao município, e que sua ocupação era ilegal. Tínhamos trinta dias para nos retirarmos dali. Minha mãe procurou um advogado e conseguiu ganhar tempo com uma ação que anulou a notificação da prefeitura, mas logo chegou uma outra, desta vez judicial, determinando o mesmo prazo para nos retirarmos do local onde residíamos. Afirmava o juiz, mediante requerimento do município, que a posse era precária, sem justo título. Nosso advogado tentou transformar a ocupação em usucapião, mas sua petição foi indeferida por haver sido distribuída após a notificação. Diante da atitude do advogado, Ivan Bongiorno em pessoa compareceu ao seu escritório e, após arrumar seus cabelos brancos, ameaçou processá-lo por litigância de má-fé. Minha mãe e eu não sabíamos o que era isto, mas o advogado sabia e não voltou mais a defender nossos interesses.
Apesar da notificação, e do prazo que já estava correndo, minha mãe resistiu, permanecendo no lugar onde morávamos. Vendia cada vez menos rosas para as pessoas de nossa cidade, que evitavam até passar pelo local. Mas Ivan Bongiorno costumava aparecer por lá, a fim de pressionar minha mãe. Uma vez, ele foi com sua mulher e um engenheiro, e passaram pela cerca de bambu, sem se anunciarem, olhando todo o terreno e determinando onde seria construída a casa. Minha mãe os enxotou, e pela primeira vez eu vi os cabelos brancos de Ivan Bongiorno ficarem desalinhados. Da calçada em frente à nossa casa, Ivan Bongiorno ajeitou os cabelos brancos e sorriu malicioso. Ele, sua mulher e o engenheiro entraram no carro e partiram.
Passaram-se os trinta dias, e ninguém nos incomodou. Minha mãe e eu achamos que Ivan Bongiorno havia mudado de idéia, e ficamos mais tranqüilos. Só que alguns dias depois, chegou um oficial de justiça, com um papel, dizendo que era uma liminar para que desocupássemos o terreno. Corremos até o advogado, e ele disse que não poderíamos desobedecer à ordem judicial, mas que iria contestar a ação. Voltamos para casa desolados e começamos a arrumar nossos objetos pessoais. Coloquei nossa televisão dentro de uma caixa de papelão. Logo apareceu um caminhão da prefeitura, que levou nossas coisas para um terreno abandonado, na saída da cidade. Neste terreno não havia sequer um barraco, e para morarmos lá teríamos que ficar debaixo de uma árvore, quando fizesse sol ou quando chovesse, e à noite teríamos que estender uma lona sobre nossa cama.
Minha mãe foi até a prefeitura, enquanto eu fiquei esperando no nosso barraco, ponderar com o prefeito de que não tínhamos condições de morar naquele lugar. O prefeito respondeu que o novo terreno era igual ao outro. Minha mãe, então, pediu um prazo para replantar as rosas no novo terreno, já que elas eram nosso sustento. Mais uma vez o prefeito se negou a atender seu pedido, dizendo que iria arrancar as rosas em mais alguns minutos. Aí sim, minha mãe ficou arrasada. É porque, na verdade, ela tinha apreço pelas rosas não só porque estas rosas eram nosso sustento, mas também porque as cultivava desde muito jovem, antes mesmo de meu pai nos abandonar. Havia uma profunda relação entre o interesse econômico e o apego sentimental, e minha mãe não suportaria ver a destruição de suas rosas.
Quando minha mãe chegou em casa, os funcionários da prefeitura, encarregados de fazer a limpeza do terreno, já estavam a postos. Minha mãe foi até o chefe e pediu para esperar um pouco mais, até resolver a ação judicial. O chefe dos funcionários concordou, e os homens foram embora. Minha mãe entrou no nosso barraco, sentou-se no chão e começou a chorar. Ficava, hora e meia, balbuciando “minhas rosas”, enquanto as lágrimas corriam por sua face. Eu a tranqüilizava, dizendo que as rosas não seriam destruídas, porque, no final, nós ganharíamos a ação. Foi quando ouvimos o caminhão da prefeitura voltando. Chegamos até a porta. De fato, eram os mesmos funcionários que estiveram no local. Só que Ivan Bongiorno acabava de estacionar seu carro atrás do caminhão da prefeitura. Ivan Bongiorno desceu, irritado, acompanhado de dois policiais militares. O chefe dos funcionários veio até minha mãe e explicou que, quando relatou ao prefeito que não limpara o terreno, o prefeito ligou para o promotor. Pois Ivan Bongiorno ameaçou botar todo mundo na cadeia, caso a limpeza do terreno não fosse efetuada. Os funcionários entraram com suas ferramentas e máquinas, derrubando nossa cerca de bambu. As primeiras rosas foram sendo esmagadas, para depois serem retiradas pela raiz e jogadas no caminhão de lixo, que também chegara. Minha mãe tentou segurar um dos funcionários, mas foi impedida pelos dois policiais militares que acompanhavam Ivan Bongiorno. Eles a algemaram e a arrastaram até o caminhão da prefeitura. Jogaram minha mãe dentro do caminhão. Eu também fui forçado a entrar no caminhão. Enquanto nos levávamos para o terreno onde deveríamos morar, eu pude ver as últimas rosas de minha mãe serem destruídas.
Aquele dia foi muito duro para nós. Fazia um calor terrível, e não conseguíamos nos refrescar mesmo debaixo de uma árvore. Minha mãe só ficava chorando. Parecia até que não se incomodava com o calor. Deixei de ir à escola, aquele dia, para lhe fazer companhia. Quando caiu a noite, minha mãe caminhou para fora do terreno, em direção à cidade. Parecia sonâmbula, mas eu sabia que não era, pois sequer havia adormecido. Eu a acompanhei. Chegamos até o local onde havíamos morado. Não havia nem uma pétala de rosa. Nosso barraco também fora derrubado, tendo seus destroços sido removidos. Minha mãe olhou em volta e disse apenas “minhas rosas”, caindo no chão. Estava morta.
A prefeitura cuidou do enterro de minha mãe. O mais estranho era que até então fizera um calor insuportável, não chovia há meses, mas na hora do enterro de minha mãe, caiu uma chuva fina. Fiquei alguns minutos diante da sepultura de minha mãe, que estava sendo regada pela chuva fina. No dia seguinte, tornei a encontrar Ivan Bongiorno, desta vez em seu gabinete. Sem me olhar, mas fazendo um comentário de que sua casa estava começando a ser construída, o promotor ajeitou seus cabelos brancos e determinou que, como eu não tinha parentes na cidade, fosse mandado para uma creche. Vivi nessa creche até o desenrolar final dessa história, que passo a contar.
Em poucos meses a casa de Ivan Bongiorno ficou pronta. A prefeitura arcou com as despesas, o que deixou muita gente indignada, mas nada foi feito para impedir. Para inaugurar sua nova residência, Ivan Bongiorno convidou todas as pessoas ilustres da cidade, bem como juristas, políticos e empresários de todo o país. Foi a maior festa de recepção ocorrida em nossa pequena cidade. Nesta noite eu passei por lá, e pude ver, pelo lado de fora, a suntuosidade da casa. Ela estava construída no meio do terreno, ficando a parte dos fundos como área para um churrasco ou uma recepção importante. O que também chamava a atenção, é que não tinha uma flor, nem gramado, nem nada. Comentou-se, inclusive, que Ivan Bongiorno proibia sua mulher de ter até flores em vasos.
E assim, o tempo passou. Um ano após a morte de minha mãe, surgiu a notícia da rosa que brotara na sala da casa de Ivan Bongiorno. Várias pessoas associaram este fato à minha mãe, mas não falaram às claras com medo de serem vistas como supersticiosas. O jardineiro contou que não tivera dificuldade nenhuma em cortar aquela rosa, o que era mais estranho ainda, pois deveria ser uma rosa muito forte para irromper pelo assoalho. Mas Ivan Bongiorno colocou uma pedra no assunto, e todos se calaram. Ele vinha demonstrando como era rigoroso e eficiente em sua profissão, e ninguém queria desafiá-lo.
Ocorre que, numa noite, poucos dias após o incidente, Ivan Bongiorno se preparava para dormir, quando teve uma surpresa. Ao entrar no banheiro, viu uma rosa brotando do chão. Sem pensar duas vezes, pegou uma tesoura e ele mesmo cortou a rosa. Então percebeu que, no chão embaixo do chuveiro, estava um caroço. Bateu no caroço com a tesoura, e o piso cedeu como se estivesse podre, revelando um botão de rosa. Neste momento, ouviu sua mulher gritar do quarto. Correu até lá, já assustado e, para seu horror, pode ver várias rosas brotando do chão do quarto.
Desta vez, Ivan Bongiorno não quis chamar o jardineiro. Resolveu ignorar o assunto, enquanto várias rosas irrompiam pela sua casa. O sereno jurista de mente científica começou a se alterar. Seus cabelos brancos já não estavam tão alinhados como antes. Era muito comum vê-lo em bares, durante a noite, bebendo. Já se comentavam suas gafes no Fórum, que irritavam a todos os que lá trabalhavam. Criminosos confessos eram postos em liberdade por falta de ação do promotor. A população já estava inquieta. De várias partes do país chegavam fugitivos da justiça, pois eles sabiam que nossa cidade não tinha um promotor capaz de enfrentá-los. O delegado e o juiz bem que tentavam mantê-los na cadeia, mas advogados astutos obtinham a liberdade dos criminosos, pois o promotor sequer se dignara a pedir a prisão preventiva.
Com o passar do tempo a situação foi piorando. A casa de Ivan Bongiorno já estava toda tomada por rosas. Funcionários da secretaria de obras da prefeitura vistoriaram o local e perceberam rachaduras profundas. Logo, a construção foi condenada, porque oferecia riscos imediatos de desabamento. Ivan Bongiorno foi avisado, mas se recusou a sair de sua casa. Agora, ele só ficava lá. Um novo promotor até já chegara para substituí-lo. Durante a noite, era comum ver Ivan Bongiorno com uma tesoura tentando cortar as rosas. Ele chamou o jardineiro, que se recusou a entrar na casa. Ivan Bongiorno ameaçou prendê-lo, mas o jardineiro manteve sua posição. O jardineiro foi até um botequim, onde encontrou o pedreiro que aconselhara um exame mais profundo, e ambos beberam cachaça enquanto riam da loucura do promotor.
Quando minha mãe ainda era viva, ela cuidava das rosas que se mantinham em perfeito estado. Mas as rosas que nasciam pela casa de Ivan Bongiorno não tinham a mesma aparência. Elas cresciam selvagens, enroscando-se umas às outras. Já ocupavam toda a área, destruindo a churrasqueira de tijolos. Dos cômodos da casa, poucos eram transitáveis. Ivan Bongiorno e sua mulher dormiam num canto da sala, entre as rosas, espetando-se constantemente. Esta situação tornou-se intolerável, e a mulher de Ivan Bongiorno, por fim, o abandonou, voltando para sua cidade natal. O promotor, mesmo assim, recusou-se a sair de sua casa. Do que restava da varanda de sua casa, sob uma espécie de caramanchão feito de rosas, gritava impropérios contra todos, esquecendo-se até de alinhar seus cabelos brancos que agora caíam por sua testa como uma cachoeira.
Finalmente, uma noite, eu estava deitado em minha cama, na creche para onde Ivan Bongiorno me enviara, quando ouvi gritos e correria. Levantei-me e acompanhei as pessoas que corriam. Cheguei até a casa de Ivan Bongiorno. As rosas cresciam numa rapidez impressionante, enroscando-se como sempre. Ivan Bongiorno estava parado, como sempre acontecia, na varanda de sua casa, gritando contra todo mundo. Ameaçava prender a todos que ficassem ali por perto, mas ninguém arredou pé. Em poucos minutos as rosas cresceram ainda mais, derrubando completamente a casa de Ivan Bongiorno, que ficou completamente encoberto. As rosas foram tomando todo o terreno onde haviam crescido sob os cuidados de minha mãe. Eu ainda pude chegar perto a tempo suficiente para ver alguns fios de cabelos brancos desaparecerem num emaranhado de folhas e acúleos.
Fim
Contos e traduções publicados com autorização dos autores e tradutores. Nenhum texto indevidamente copiado e transcrito sem autorização do detentor dos direitos autorais.
escritos por ( Paulo Soriano e colaboradores. )
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